sábado, 3 de abril de 2010

Tesoura.

Essa semana eu cortei meu cabelo. De novo. De novo, mas de um jeito tão novo diferente quanto se possa imaginar.
Cortei decidida, cortei curto, cortei com força, e ele caiu. Ligando o som e pegando a tesoura, trancada no banheiro, não cortei só o cabelo. Ouvindo "The great gig in the sky", ah não, não cortei só o cabelo.
Cortei todo o excesso e um pouco mais. Ou talvez bem mais, mas bom. Cortei minha angústia de uma só vez e sem anestesia alguma joguei-a longe, tirei meus receios com a pressa que só eu, deixei meus medos caírem e olhei nos meus olhos nus em frente ao espelho, me vendo, me despindo à mim mesma, conhecendo.
As dores que eu tinha, as dores que sentia, as dores que latejavam e me pesavam, não senti, parei, cortei séria.
Não quero, não possuo. Meus pesos e a minha consciência, embora, embora.
Fiquei indiferente às minhas indiferenças. Minhas preocupações saindo, me deixaram mais clara por dentro, me quero clara por dentro, me quero por dentro. Me quero sem mim,  junto comigo. Me deixei simples, me deixei apenas e vi só alguém.
De minhas culpas e daquelas glórias, daquelas conquistas, me desfiz. Me desfiz, me desfaço e não canso, quero mais, ou melhor, quero menos, por favor, menos. As verdades e mentiras que de mim faziam parte, pretas, tortas e sinceras, vi longe. Não quero, não possuo. Meus pesadelos me deixaram junto com as minhas frustrações e olhei novamente ao espelho. Mais ali, menos ali, mais nua, mais nada, mais limpa. Respirando, respirando, respirando forte. Vazando sobre a descoberta. Tirando mais, arrancando mais, arrancando o sobrepeso. Rasgando os problemas e os deixando jogados frente a mim.
Ofeguei, terminei. Terminei comigo e me achei. Quatro segundos maravilhosos nos quais me senti nada, me senti parte de tudo, senti o não sentir sentindo. Quatro segundos e, depois deles, minha cabeça descansou, com o cabelo cortado, e se deixou somente apoiar no pescoço. Então vi, ao meu redor, no meu chão, sob minha pele e em frente aos meus olhos, fios de cabelo preto, no chão branco, em mim, fios que não consegui limpar.